Sugestões de Março por Ruy de Carvalho
17 - mar - 17
As sugestões de Ruy de Carvalho para o mês de Março.
Ruy de Carvalho
Criticar é, a meu ver, e salvo melhor opinião, olhar, analisar, sentir... para se formar um juízo, por vezes sustentar uma opinião que não tem necessariamente de ser má. Criticar não é, pois, dizer mal. Que me desculpem muitos dos críticos da nossa praça, mas criticar deve pressupor um respeito pela obra da qual estamos a falar, mesmo que não gostemos, porque o gostar, ou o não gostar, é algo muito pessoal, algo que deve, na medida do possível, ser afastado do acto crítico. Aceito que se não goste, mas revolta-me a qualificação do “a não ver” como se o esforço e a expectativa do artista de nada servisse perante um tal epíteto. Um personagem tem sempre algo de nós próprios.
Houve peças que eu não gostei, mas não deixei de as ver... e de pagar o meu bilhete. Houve outras que eu faria diferente, não melhor, diferente apenas! Mas digo isto das bancadas, sem saber o quanto custou ir para aquele palco, e quanto custa ver uma plateia vazia, apenas porque um ou dois críticos disseram para “não ver”. Mais ainda: eu não vou ver uma peça para rir, ou para chorar, ou para dizer mal ou bem dela. Vou ver um trabalho de grupo, sim porque o teatro é sempre um trabalho de grupo, algo algo com o qual aprendo sempre. Tenho imenso respeito por todos os que pisam um palco, e dói-me ver que há quem não vá à revista porque é uma coisa popular, ou porque o teatro de revista é uma arte menor. Não é verdade! É de ir ver, sempre. Ali está a forja do nosso teatro.
No Trindade, onde praticamente comecei a andar, está o Tennessee Williams, um dos mestres que escreveu sobre a instabilidade mental, o alcoolismo, a hipocondria, a tristeza, os escândalos sexuais, a solidão, no fundo tudo o que caracterizou profundamente a sua intimidade. As cicatrizes que as suas peças deixaram para o mundo deram grandes filmes e sobretudo maravilhosas peças de teatro.
Em Almada , “A Noite Da Iguana” um peça com mais de 50 anos, salvo erro foi estreada na Brodway em 1961, é de uma enorme actualidade, por via dos alvoroços sexuais que emergem da Igreja Católica. O sonho de liberdade é algo indefinido em cada ser humano, pelo que cada um de nós o vê e o sente à sua maneira. Contudo, lutamos por ele em cada palavra, em cada gesto, em cada olhar, invejando as aves do céu, os peixes do mar, aquele “amigo” que soube dizer não, e que acabou morto às mãos de quem tem medo dessa liberdade, e sobretudo de que teme a capacidade de sonhar. O Benite foi dos homens que deu a vida pelo teatro, e será pela qualidade do que se faz em seu nome, que ele será, para sempre, lembrado.
Em vez do “a não ver” é sempre preferível dizer “ a não perder”. O Sérgio Godinho tem coisas muito bonitas, naquele seu estilo tão pessoal, no dizer das mil palavras pequeninas que falam do nosso quotidiano, que é também o dele, numa voz única, que não sendo uma grande voz, é a dele, com uma forma de cantar inimitável. É uma música empenhada, numa postura íntima que, mais uma vez nos faz olhar para nós próprios, com a saudade das melodias como “O Namoro”, de letras como “Que Força É Essa”, temas que pintaram o horizonte de muitos jovens da nossa revolução. Eu fui dos que ouvia o Sérgio antes de Abril, do Brassens, do Brel e de todos aqueles que fizeram o favor de dar voz à esperança e ao amor pelo bem estar de todos as pessoas que os ouviram.
Se há espectáculo que me arrepia é sempre o de improviso. Os “Commedia À La Carte “já tiveram seguramente muitos arrepios nos seus 17 anos de vida. Mas pelas mesmas razões são já um grupo com uma maturidade suficiente para subverter os calafrios, usando-os em prol da criatividade e do espectáculo. Acredito que o Teatro Circo de Braga vai surpreender-se com aquilo que parece fácil, e contudo é um representar em cima do arame, onde a palavra assume o papel primordial, uma vez que não há supostamente cenários nem adereços rebuscados.
O Teatro Gil Vicente, em Coimbra tem a face da Universidade, daí que desta vez há que ouvir, e ver, porque não, a Voz Da Razão, do Luís Franco-Bastos com este novo espectáculo, desta feita virado para esta tremenda complexidade que o início de um milénio que deveria ser tudo, menos aquilo que é.
Em Vila do Conde com o Fernando Mendes, a Carla Andrino, o Jorge Mourato e a Patrícia Tavares, vai surgir o “Noivo Por Acaso”. É uma estória de crime e castigo, onde a confusão mistura sedução com perspectiva de riqueza fácil, negócios menos claros e oportunidades que podem correr mal, pelo risco elevado que comportam. Será um serão agradável.
O Cine-Teatro de Estarreja vai, sem duvida, assistir a um espectáculo de grande qualidade. Camané vai viajar rectrospectivamente pelos seus mais conhecidos temas, e quando a isto se junta a Orquestra Metropolitana de Lisboa, temos armado um programa de luxo para surpreender com a música latino-americana, sobretudo os tangos, num momento em que a noss capital é, durante um ano, o centro da cultura Ibero-americana.
De novo a Almada , para o Teatro de Joaquim Benite não perder mais um espectáculo dos Deolinda, que nos vão mostrar o seu novo disco, sempre em busca dos limites da canção popular portuguesa. Já li críticas extremaente favoráveis a este trabalho, colocando-o entre os melhores dos últimos dez anos.
Em Lisboa no Teatro São Luis, há dança, enquanto produto abstracto, mutável e efémero, num espelho dos universos contemporâneos. É um conjunto cénico animado por um grupo de performers, intérpretes de uma atmosfera paralela ao real, numa reflexão imaginária do movimento humano das cidades. Deram-lhe o nome de Hu(r)mano, justamente pela abstracção que os gestos exprimem, pela proximidade dos corpos que se cruzam todos os dias sem se conhecerem, ou pior ainda, sem se querem conhecer.
E temos coisas novas na nossa Lisboa. O MAAT – Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia é um espaço onde propositadamente se cruzam os debates, com os novos pensamentos criticos num diálogo internacional. É um projecto, novo, inovador, que começa pela concepção do edificio, pela sua localização e por tudo aquilo que pode oferecer a quem o visita.
RUY DE CARVALHO